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Silêncio dos Afogados

Rompendo o Silêncio: Entrevista com Marcelo Hargreaves

Iniciamos nossa série de entrevistas que vai receber jornalistas, roteiristas, psicólogos, médicos psiquiatras, terapeutas, militantes, ativistas, entre outros, ligados ao entretenimento e, especialmente, ao universo do projeto “Silêncio dos Afogados”.


Para abrir a série, convidamos o jornalista Marcelo Hargreaves.


Marcelo já trabalhou como repórter de política no jornal o Estado de S. Paulo e participou da fundação da web comercial no Brasil, atuando como redator, editor e coordenador de conteúdo em sites como Universo Online, Starmedia e Estadão.com. Durante toda sua carreira o cinema sempre foi uma paixão. A partir de 2014 passou a atuar também como roteirista depois de concluir pós-graduação em Roteiro Audiovisual, trabalhando em parceria em projetos para a web e com um argumento de longa-metragem em andamento.


O que te motiva a escrever? Quando percebeu que era isso que queria fazer?

Meu treino profissional de jornalista me acostumou a escrever sobre uma série de assuntos pelos quais nunca havia me debruçado ou tido interesse. Após o trabalho, vários deles se tornaram temas que despertaram minha curiosidade. Agora, me tornei jornalista antes de mais nada por ser o ofício mais próximo daquilo que considerava contar histórias, algo que gostava de fazer desde criança. Cansei de produzir pequenos HQs das nossas viagens de férias em família e a "editora" tinha logotipo e tudo. Ser roteirista é ser capaz de contar histórias de uma forma visual (e é bem mais difícil do que aparenta) e de usar o seu universo pessoal para colar os pedaços. É meio como sovar uma massa. No começo parece que aquilo nunca vai virar algo além de uma massaroca. No entanto, você trabalha, escreve, reescreve e o roteiro toma forma até a hora de desgrudar da mão, quando está pronta para ir ao forno.


“Silêncio dos Afogados” traz o universo dos manicômios e da saúde mental no Brasil no século XX. Como você enxerga a abordagem de temáticas históricas de cunho político-social no entretenimento?

Para mim, o audiovisual tem a mesma função da literatura, como crônica de seu tempo, não como substituta, mas complementar. Logo, faz todo sentido e as gerações futuras vão nos agradecer pelos filmes e séries que se preocuparam em retratar o nosso tempo. Dou um exemplo. Aprendemos na escola sobre a Revolução Francesa como uma coleção de datas e nomes e há um momento que se chamava 'fase do terror'. Nunca tive a real dimensão disso até ler Dickens (Um Conto de Duas Cidades). Por mais que possa haver ficção ali, é um retrato de uma época. Nos dá uma compreensão totalmente nova.



Dickens - Um Conto de Duas Cidades
Dickens - Um Conto de Duas Cidades


O quanto temáticas assim podem impactar o público?

O formato ágil e envolvente do audiovisual quebra certas barreiras para muita gente que, de outra forma, dificilmente teria contato com o tema. Vários dos filmes que vi sobre o tema deixaram alguma marca. Refletir sobre a mente humana e seus caminhos pode ser desconfortável, mas é absolutamente necessário falar sobre isso.


Você acredita que séries também devem gerar um espaço de reflexão?

Sem dúvida. A dicotomia criada entre "entretenimento" e reportagens é falsa. Há muito de narrativa em uma matéria bem escrita, assim como uma série recorre a extensa pesquisa factual se o roteirista quiser falar com propriedade a respeito do tema. Filmes/séries de ficção também geram reflexão. Por que não usar histórias verdadeiras? Por mais que certas exigências do modo de escrever histórias exija aqui e ali um desvio de fatos rigorosos, se for feito com honestidade, vale muito a pena. Talvez seja um apelo até mais contundente. Ava DuVernay fez uma minissérie para a Netflix (Olhos Que Condenam) que é tão ou mais contundente que N debates sobre racismo.



Olhos que Condenam - Netflix
Olhos que Condenam - Netflix


E como não ser panfletário?

Esse é um termo muito complicado, ainda mas hoje em dia em tempos de fakenews. De repente uma pessoa que considera válido deixar pessoas esquecidas num manicômio pode julgar o tema panfletário. Então há muito de subjetividade nesse termo. Tentando pensar de forma objetiva: é possível evitar isso construindo personagens verossímeis, que ajam não como forças do mal esquemáticas, mas dentro daquilo que julgam ser a sua crença. Extrapolando o limite: Joseph Mengele é um personagem pintado como vilão de filme da Marvel. Um pirado que resolve fazer experiências higienistas. Contar a história dele é ser panfletário? Tendo o cuidado de se apoiar em pesquisa séria, sem distorcer fatos notórios para fazer caber dentro de um narrativa, acho que esse risco é bem reduzido.


A pesquisa é um ponto fundamental quando abordamos momentos históricos na escrita. Como você se aprofunda em temáticas assim?

Reportagens, leituras, documentários bons sobre o tema. Se houver fonte primária, melhor ainda.


Como as mudanças políticas pelas quais o país passou ao longo da história afetam o processo de escrita?

Não acho que a política tenha o condão de alterar a forma ou o processo de escrita. O estilo, a forma de abordagem de histórias seguem outras diretrizes. O que a política altera é o grau de tolerância do Estado e da sociedade para determinados temas. Há também os ditames do mercado. Uma história sobre negros, escrita por negros na Hollywood dos anos 1940, jamais vingaria comercialmente. O que não significa que não devesse ser feita. O tema da sua série já foi objeto de filmes com boa repercussão de público e crítica.


Quais são as sensações e os sentimentos que você procura provocar quando escreve?

Eu não gosto de ser muito indutivo, ou seja, carregar nas tintas para manipular demais o sentimento alheio. Se a história for contada com verdade, esse recurso torna-se desnecessário, a meu ver. Agora, claro que nas cenas capitais, você quer compartilhar o seu sentimento, de revolta, de ternura. As cenas que mais gosto de escrever são aquelas em que o sentimento da personagem combina com o meu, porque aí, somos como que duas vozes colocando nosso ponto de vista.


Em sua opinião, há indicativos de que o obscurantismo possa avançar na área cultural?

Independente do governo de ocasião, o que mais me preocupa são os fenômenos sociais que tornaram viável a vitória eleitoral deste projeto. O conservadorismo é uma força em ascensão no mundo? A pandemia será capaz de frear o ímpeto? Tem bastante gente boa projetando uma sociedade diferente após essa crise. Tenho minhas dúvidas. No que diz respeito, especificamente à área cultural, no Brasil, há uma confusão sobre a função da cultura, para que serve. Se você observar apenas do ponto de vista mercadológico, estará cometendo um erro. Porque cultura é um modo de expressão, um raio-x de uma sociedade em determinado momento histórico. Deveria ser sempre tratado como prioridade, não como um estorvo ao Estado. Se esse projeto político demorar muito para ser derrotado, teremos sérios problemas no futuro.



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