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Rompendo o Silêncio: Entrevista com Patrícia Villas-Bôas

O “Rompendo o Silêncio” entrevistou a psicóloga e psicanalista Patrícia Villas-Bôas.


Patrícia é mestre em Psicologia da Arte pela USP e docente da especialização em Saúde Mental do Instituto Sedes Sapientiae, militante do Movimento de Luta Antimanicomial.


“Não basta fechar o manicômio e abrir redes substitutivas - é preciso não repetir padrões de cuidado manicomiais, incrustados historicamente em todos nós!”


Nesta entrevista, Patrícia fala sobre quais são os principais pontos que ainda precisam avançar relacionados à Luta Antimanicomial e qual a mensagem por trás do movimento:


“Direitos para todos.

A liberdade é Terapêutica.

Trancar não é tratar.

Mais amor, por favor!

A alegria é revolucionária, e a diversidade é a mãe da diversão.

Nenhum passo atrás, manicômio nunca mais!!!”




Fale brevemente sobre você e sua ligação com a temática da luta antimanicomial. Sou psicóloga e psicanalista e trabalhei em saúde mental pública desde que me formei, em 1992, início da Luta Antimanicomial no Brasil. Após uma residência na zona norte de São Paulo, já em serviços abertos que visavam o fim dos manicômios, fui trabalhar no Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, um hospício com quase 500 internos, onde tentávamos (alguns trabalhadores) desconstruir o hospício desde dentro. Percebi que era impossível (pra mim), adoeci, me dei conta que estava sendo conivente com aquele sistema e de lá saí diretamente para a Luta Antimanicomial com o movimento social organizado e para um trabalho em serviços substitutivos da rede de saúde mental de Diadema, na grande São Paulo. E de lá sigo até hoje ligada à saúde mental pública em São Paulo, por 20 anos, como trabalhadora direta da rede de atenção e há 10 anos como formadora de trabalhadores, na especialização em Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica do Instituto Sedes Sapientiae e como supervisora clínico-institucional de diversos serviços da RAPS (Rede de atenção Psicossocial). NO MNLA (Movimento Nacional de Luta Antimanicomial) ingressei oficialmente em 1997, quando o movimento completava 10 anos de existência, e fui uma aguerrida militante do Fórum Paulista de luta Antimanicomial desde então, entre 97 e 2007, participando de 4 encontros nacionais (como organizadora do 6o Encontro em São Paulo - retomada importante do MNLA depois de um momento de racha que nos deixou 4 anos sem encontros nacionais). Depois disso migrei minha militância do movimento organizadora a formação de trabalhadores, entendendo que essa era uma nova e urgente frente de luta. E também na fundação e participação em diversos coletivos menores de luta! Não basta fechar o manicômio e abrir redes substitutivas - é preciso não repetir padrões de cuidado manicomiais, incrustados historicamente em todos nós!



MNLA - Movimento Nacional de Luta Antimanicomial

Você acha que maus tratos em instituições de saúde mental ainda acontecem hoje em dia? Certamente! Ainda temos, só em São Paulo, 21 hospitais psiquiátricos conveniados com o SUS, e perto de uma centena de comunidades terapêuticas, que são formas retrógradas de manicômios voltado às pessoas com problemas com álcool e outras drogas. O atual governo, em detrimento da política nacional de saúde mental que prevê a extinção progressiva de leitos psiquiátricos em hospitais especializados no país (através da lei 10216), acredita no reinvestimento nesses hospitais, que cerceiam liberdades, afastam o sujeito da comunidade, desumanizam, hipermedicalizam e oprimem física e psiquicamente os sujeitos, ali tornados objetos. Patrícia, fale um pouco sobre o Prêmio “Carrano” de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos e sua atuação nele. Carrano foi um importante militante do MNLA e meu amigo. Quando seu livro, “Canto dos Malditos” (que deu origem ao filme “Bicho de 7 Cabeças”), escrito em nome próprio a partir de suas vivências, foi censurado, pois denunciava nominalmente os responsáveis pelos maus-tratos que havia sofrido (e que ainda o faziam sofrer), trouxemos o Carrano para um “não-lançamento” do livro no projeto autor na praça, do Edson Lima, por ocasião de um dia de luta antimanicomial.

Carrano, então, fez amigos em São Paulo e passou a morar aqui. Quando do seu falecimento, há 13 anos, um grupo de amigos que se autodenominou Coletivo Gato Seco - Nos telhados da Loucura resolveu instituir o prêmio em sua memória e homenagem. O Prêmio acontece anualmente na semana de Luta Antimanicomial (em torno do 18 de maio - Dia Nacional de Luta Antimanicomial em que o Brasil inteiro faz eventos e sai às ruas para conscientizar e lutar contra os manicômios). A principal característica do prêmio é ser plural e valorizar todas as lutas, pessoais e coletivas que se destacaram no ano anterior na defesa dos direitos das minorias - todos os movimentos por sequestro de direitos são contemplados, inserindo a luta antimanicomial no campo mais amplo da luta por direitos.


Prêmio Carrano - 2020


Austregésilo Carrano, autor de "Canto dos Malditos"

Hoje, quais são os principais pontos que ainda precisam avançar, relacionados à luta antimanicomial? Em primeiro lugar o fechamento de hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas e a retomada da construção de uma rede substitutiva (a esses locais) forte, progressista e intersetorial (sujeitos que sofrem psiquicamente não precisam apenas de serviços de saúde, mas de moradia, renda, educação, lazer, transporte, condição de vida digna…) Em segundo lugar a formação de trabalhadores imbuídos da causa antimanicomial, que não é só participar nas ações da semana de luta, mas se interrogar cotidianamente sobre se suas práticas de cuidado promovem tutela ou autonomia, liberdade ou submissão, sujeitos ou obediências. Em terceiro lugar destacaria a luta antiproibicionista, sem a qual teremos dificuldades em avançar muito no cuidado no campo de álcool e outras drogas. E, por último, questionar a medicalização da escola e da sociedade, elas próprias produtoras de sofrimento psíquico sócio-político… Enfim, são muitos os desafios. O primeiro deles é tentar não retroceder, o que já está acontecendo. Afinal, qual a mensagem da luta antimanicomial no Brasil? Direitos para todos A liberdade é Terapêutica Trancar não é tratar Mais amor, por favor! A alegria é revolucionária, e a diversidade é a mãe da diversão. Nenhum passo atrás, manicômio nunca mais!!!





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