O “Rompendo o Silêncio” entrevistou a psicóloga Mônica Andrigo Coelho.
Mônica também é mestre em Psicologia Clínica pelo Núcleo de Estudos Junguianos
da PUC-SP, graduada em Psicologia e Direito pela PUC-SP e em
Comunicação Social pela ESPM. Atua como psicóloga clínica em consultório
próprio em São Paulo, na abordagem junguiana, atendendo crianças,
adolescentes e adultos, utilizando-se da psicoterapia verbal, e de técnicas não
verbais com o uso de recursos expressivos artísticos, sandplay e técnicas
corporais sutis, como a calatonia.
Nesta entrevista, Mônica discute a importância de trazer à luz a temática da Luta Antimanicomial e suas percepções de como o preconceito envolvendo o usuário de saúde mental é decorrente de um fator histórico em que procurou-se isolar as pessoas consideradas “loucas”. “Muitas vezes podemos projetar, sem
qualquer consciência, a nossa loucura no outro, de modo que o suposto louco
personifica aquele ser que contém os males do mundo, sendo um verdadeiro
bode expiatório social. A história do isolamento da doença mental no Brasil é
um trauma e um complexo cultural coletivo a ser reconhecido e elaborado.”
Por que é tão importante a gente falar dessa temática da Luta
Antimanicomial, Reforma Psiquiátrica, Saúde Mental hoje em dia?
É importante para conscientização da sociedade a respeito da necessidade de
reconhecer o estigma que marca a questão da saúde mental. Também para se
conscientizar a respeito da necessidade de amparo social aos clientes dos
serviços de saúde mental e aos familiares deles. A história da loucura e como
foi tratada em nosso país é pouco discutida, dentro e fora da psiquiatria e da
psicologia. No mundo de hoje, apesar de termos muitas transformações
positivas dentro da psicologia e da psiquiatria a esse respeito, ainda há muito a
ser feito para a humanização no atendimento psiquiátrico e psicológico. Na
verdade, a loucura tem seu espaço dentro de cada um de nós, mas isso ainda
não é reconhecido pela sociedade. Pelo contrário, é algo repudiado e
totalmente reprimido. Afinal, é extremamente difícil e até desestruturante lidar
com a ideia de que a loucura pode se expressar em cada um de nós num
piscar de olhos.
Você acha que todo o tabu e preconceito envolvendo o usuário de saúde
mental é decorrente de um fato histórico onde procurou-se isolar as pessoas
consideradas “loucas”?
Sem dúvida a história de isolamento da loucura em instituições afastadas,
longe dos olhos da grande maioria da sociedade, está na base do tabu e do
preconceito que estigmatiza o usuário do serviço de saúde mental e o serviço
de saúde mental em si. No entanto, acredito que isso se soma ao medo da
própria loucura eclodir, ao sofrimento que emerge ao ter de lidar com a loucura
dentro da própria família e na sociedade. Muitas vezes podemos projetar, sem
qualquer consciência, a nossa loucura no outro, de modo que o suposto louco
personifica aquele ser que contém os males do mundo, sendo um verdadeiro
bode expiatório social. A história do isolamento da doença mental no Brasil é
um trauma e um complexo cultural coletivo a ser reconhecido e elaborado.
Qual a importância do Estado no cuidado de pessoas com doença
mental e no apoio às famílias?
O Estado tem a responsabilidade de disseminar uma política pública de
transformação da realidade perversa, cruel, traumatizante e estigmatizante que
afeta a saúde mental e que é também uma tendência humana, que temos
dificuldade de aceitarmos. Primeiro, o Estado tem um papel fundamental na
promoção de espaços de acolhimento, tratamento e convivência que incluam o
usuário dos serviços e apoio aos seus familiares. Segundo, ele deve organizar
equipamentos públicos de saúde mental que possibilitem aos usuários a
integração na vida social e comunitária, uma vida própria, com autonomia,
vínculos, afetos, trabalho, lazer, etc. Terceiro, é fundamental ainda que o
Estado promova também meios de cuidado aos profissionais da saúde mental
que atuam em um trabalho que pode levar a traumas vicariantes.
No entanto, além do Estado, entendo que iniciativas privadas e do terceiro
setor poderiam também investir mais na área de saúde mental, de modo mais
humanitário e comunitário para ampliar as possibilidades de inclusão dos
usuários de serviços ligados a saúde mental.
Como seria uma rede efetiva de atendimento em saúde mental?
Seria uma rede com grande capilaridade para chegar às regiões mais carentes
de atendimento ao usuário e sua família. Uma rede pautada mais ainda pelos
valores de personagens da história da psiquiatria como Nise da Silveira. Ela
valorizava o espaço criativo e imaginativo por meio da arte, tratando o cliente
com respeito, amorosidade, num ambiente seguro e livre que lhe
proporcionava maior dignidade, autonomia, tratamento singular e inclusivo.
“Silêncio dos Afogados” traz o universo dos manicômios e da saúde mental
no Brasil no século XX. Como você enxerga a abordagem de temáticas
históricas de cunho político-social no entretenimento? Acha que o cinema e a
TV podem ser um espaço de reflexão?
Vejo com extremos bons olhos! O entretenimento pelos meios de comunicação
visuais possui um trunfo maior ainda num mundo cada vez mais imagético em
que vivemos, pois viabilizam a disseminação da informação em larga escala,
numa linguagem que atinge um enorme contingente de pessoas.
Cinema e TV, quando possuem seus conteúdos bem estruturados e
produzidos, podem abordar temas de alta complexidade, promovendo
reflexões profundas e, assim, podem ser meios para a ampliação da
consciência coletiva. Um excelente exemplo recente de como o cinema pode
trazer reflexão sobre a questão da saúde mental e sobre as falhas e
precariedades de como o Estado e a sociedade lidam com o assunto é o filme
Coringa. Infelizmente, muitos clientes dos serviços públicos e também dos
serviços privados existentes em saúde mental, no nosso país e no mundo, se
encontram num verdadeiro desamparo. Vivem numa sociedade extremamente
narcísica, que os marginaliza e não tem olhos para visualizar; e muito menos
interesse e sensibilidade para aprender a conviver com a loucura que também
nos habita nos recônditos da alma.
O drama da saúde mental segue silencioso,
com espectadores surdos e de olhos vendados. Trazer luz a esse tema é dar
uma oportunidade para a sociedade se sensibilizar e poder ter mais uma
chance de ampliar a consciência, de modo a possibilitar uma abertura para
continuar a transformar essa realidade da luta antimanicomial com maior vigor,
cuidado e compaixão.
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